Mudanças na lei não alteram situação do ex-presidente Jair Bolsonaro, inelegível até 2030. Texto altera regra para contagem de prazo, permitindo que condenados por certos crimes voltem antes à política.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou trechos do projeto aprovado pelo Congresso Nacional com mudanças na Lei da Ficha Limpa, mas sancionou alterações que reduzem o período no qual esses políticos não podem disputar eleições.
A sanção com vetos foi publicada nesta terça-feira (30) no Diário Oficial da União.
Lula sancionou a antecipação do início da contagem do prazo de oito anos de inelegibilidade para políticos cassados ou condenados por uma série de crimes — ou seja, na esfera criminal (entenda mais abaixo).
Mas vetou um trecho quealterava a redação da lei para casos de condenação eleitoral por abuso de poder econômico ou político. A medida, contudo, não tem impactos imediatos, já que o trecho vetado está garantido em um entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além disso, Lula vetou trechos que permitiriam que as mudanças beneficiassem políticos já condenados ou cassados.
Ao barrar a chamada retroatividade da lei, o presidente citou um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que reafirmou a regra que impede que casos anteriores sejam beneficiados nestas ocasiões.
O Planalto também argumentou que a retroatividade permitiria que decisões definitivas da justiça “fossem esvaziadas” com a sanção de novas leis, o que afrontaria “diretamente o princípio da segurança”.
Contagem do período de inelegibilidade
Para certos crimes, a lei sancionada antecipa o momento em que o período de 8 anos de inelegibilidade passa a ser contado.
Pelo trecho sancionado, a contagem do prazo de oito anos de inelegibilidade terá início a partir da condenação de um órgão colegiado da Justiça. Antes, passava a valer somente quando a decisão fosse definitiva, sem possibilidade de mais recursos.
Isso, na prática, reduz o tempo sem poder disputar eleições para os condenados pelos seguintes crimes:
- contra a economia popular, a fé pública e o patrimônio público;
- contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
- contra o meio ambiente e a saúde pública;
- eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; e
- de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública.
Para outras situações, a lei não foi alterada.
Quem for condenado por órgão colegiado ou em decisão definitiva, fica impedido de se candidatar do momento da condenação até oito anos após cumprir toda a pena.
Isso seguirá valendo para:
- crimes contra a administração pública;
- lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;
- tráfico de entorpecentes e drogas, racismo, tortura, terrorismo e crimes hediondos;
- crimes de redução à condição análoga à de escravo;
- crimes contra a vida e a dignidade sexual;
- crimes praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
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O que foi vetado?
Lula vetou um trecho que tinha o objetivo de atualizar a regra em vigor que impede políticos condenados por abuso de poder econômico ou político de disputar eleições.
O Congresso havia incluído que somente seriam considerados inelegíveis os condenados por “comportamentos graves aptos a implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos”.
A mudança já havia causado divergência entre parlamentares, e o veto de Lula busca evitar interpretações divergentes que poderiam beneficiar políticos responsabilizados por essa prática.
O trecho vetado também deixava mais claro na legislação que, no caso de políticos condenados por abuso de poder econômico ou político no âmbito eleitoral, a inelegibilidade de oito anos seria contada a partir da data da eleição na qual o crime foi cometido.
O texto vetado não muda a jurisprudência aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo juristas especialistas em direito eleitoral consultados pelo g1.
Uma súmula da Corte Eleitoral define que o período de inelegibilidade conta a partir do dia da eleição e termina no “dia de igual número no oitavo ano seguinte”.
- Exemplo de caso: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado, em 2023, à inelegibilidade por abuso de poder político. Por essa condenação, ele ficará impedido de disputar eleições por oito anos, a partir da data da eleição pela qual concorreu (2 de outubro de 2022).
Tanto pela regra atual do TSE quanto pela proposta barrada por Lula, Bolsonaro voltaria a estar elegível em 2 de outubro de 2030. Isso significa que, em 2030, ele estaria apto a disputar a eleição por dias — o pleito ocorrerá em 6 de outubro.
No entanto, Bolsonaro também foi condenado por golpe de Estado e, por isso, estará inelegível por 8 anos após o cumprimento da pena, fixada em 27 anos e 3 meses de prisão.
Parlamentares e governadores cassados no Legislativo
Parlamentares (deputados, senadores e vereadores) que forem cassados pelos pares terão a inelegibilidade contada a partir da decisão que decretar a perda do mandato. Ou seja, ele não poderá disputar eleições nos oito anos seguintes à sua cassação.
A regra também valerá para os governadores que forem cassados pelas assembleias estaduais.
- Hoje, parlamentares e governadores que são cassados nestes casos ficam inelegíveis pelo resto do mandato e por mais oito anos. O texto sancionado por Lula diminui, na prática, o tempo de inelegibilidade.
Por causa da decisão, ele, que havia sido eleito em 2002 para um mandato na Casa, acabou ficando inelegível até o fim do seu mandato em fevereiro de 2007 e pelos oito anos seguintes — até 2015.
Congresso analisará vetos
Os vetos do presidente serão analisados pelo Congresso Nacional, em sessão ainda a ser marcada. Deputados e senadores poderão manter ou derrubar a decisão de Lula.
O relator do projeto na Câmara, deputado Rubens Pereira Jr. (PT-MA), avalia que não há, neste momento, clima para a derrubada de veto.
Segundo o parlamentar, os congressistas não devem colocar a digital em um assunto polêmico, com possível repercussão na opinião pública e às vésperas de um ano eleitoral, principalmente após as repercussões negativas com a PEC da Blindagem.
- Para derrubar o veto, são necessários os votos de 257 deputados e 41 senadores.
Um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o advogado Marlon Reis, disse que “foram mantidos todos os pontos mais graves do projeto”. Ele classificou como “péssima” a justificativa apresentada pelo governo para o veto.
